Entrevista com Liliana Rodrigues Brito
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Entrevista com Liliana Rodrigues Brito

Atualizado: há 3 dias

Após lermos o fantástico livro da Liliana "Gabriel 120419", tivemos a honra de entrevistar a autora. Lê em baixo o que a autora disse, sobre o livro, os seus sonhos, a escrita e muito mais.


E se quiseres ler a nossa Review do Livro carrega aqui.


1. Muitas vezes, desumanizamos os autores e resumimo-los aos seus livros, mas a verdade é que a própria história dos autores também contribui para as histórias que escrevem. Por isso, conta-nos um pouco sobre a tua. Quem é a Liliana, dentro e fora da escrita?

«A Liliana é a mesma. Se calhar, sou apenas um pouco mais livre. Na escrita, temos uma liberdade de nos expressarmos que por vezes no nosso dia a dia não nos é permitida. Podemos partilhar ideias e sentimentos, tendo noção de que com sorte perpetuamos algo nosso no mundo. O livro “Gabriel 120419” tem muito da minha essência, do que sinto cá dentro e nem sempre exponho a terceiros. Ele serviu para eu homenagear as vítimas e sobreviventes do Holocausto. É um assunto que sempre me sensibiliza e emociona passem os anos que passarem. Quando escrevi o livro, tinha tido uns meses antes um diagnóstico de impossibilidade de gerar filhos e então quis dar vida ao Gabriel, um filho tão desejado, num acontecimento onde se perderam tantas outras. Assim consegui, sinto eu, homenagear ambos. É um livro que tem muito amor e sofrimento, mas que também tem muita força. O que também faz parte de mim.»


2. Idealmente, os escritores já nascem a sonhar em publicar um livro. Contigo foi assim, ou este desejo surgiu mais tarde?

«Desde miúda que gosto de ler, sonhava em ter uma biblioteca até ao teto como via nas livrarias e nos filmes. Sempre que via o filme da Disney, “A Bela e o Monstro” sonhava em ter uma igual. Perdia imenso tempo a olhar para ela, chegava a parar o VHS para ficar a observar aquela imensidão de livros. E como sempre lera em todo o lado, identificava-me muito com a personagem Bela.

A escrita surgiu mais tarde. O gosto cresceu com os diários, cartas e textos soltos em cadernos. Hoje não me vejo a fazer outra coisa.»


3. Como foi o processo de escrita deste teu “Gabriel 120419”?

«Tirando a parte emocional que foi muito forte e sentida, o processo foi natural, se bem que com alguma pressão. O “Gabriel” foi escrito numa semana, para um concurso literário da FNAC, o que fez com que o prazo fosse muito apertado, pois já soube do concurso a uma semana de terminar. Felizmente, a história surgiu-me no mesmo dia assim como os personagens e a mensagem que queria passar aos leitores. Tinha tudo de fazer sentido e como era algo pessoal, queria conseguir passar o que me ia no coração. Por algumas vezes, perguntei-me o que raio estava eu a fazer, a querer escrever um livro mesmo que pequeno num tão curto espaço de tempo. Mas não desisti. Após delinear tudo, foi começar a trabalhar na história o máximo que me era possível com os dias que tinha. Ser sobre o Holocausto arcava uma responsabilidade acrescida, e ter limite de palavras limitava também o que queria contar, mas acredito que consegui transmitir a mensagem que queria com uma história bem estruturada e com muita emoção.»


4. Dois anos depois da publicação, ainda te revês nas palavras que escreveste?

«Revejo-me em essência, pois como referi no livro, era uma fase muito pessoal e muito sofrida. Muitas vezes, quando o leio ou pego nele lembro-me das lágrimas que caíram no manuscrito e recordo-me de toda aquela mistura de sentimento.

Felizmente, posso dizer que posso olhar para o meu livro com muita felicidade e leveza, pois no lançamento do livro estava grávida do Gabriel. Fui abençoada, aconteceu um milagrezinho, não sei. Tinha, e tenho, para mim que a minha missão na Terra é ser mãe. Pedi muito e o universo conspirou a favor. Bem, pelo menos é nisso que quero acreditar. Tenho os dois Gabriéis e sou muito grata e orgulhosa dos dois!»


5. “Gabriel” significa “o mensageiro de Deus”. Que mensagem esperas trazer aos corações de quem te lê?

«Que acreditem que após a tormenta vem a bonança. Que se acreditarmos muito, por vezes, o universo pode ajudar. Que por mais triste que seja a nossa realidade não podemos desistir, e que, felizmente ainda existem seres humanos bons que olham para o outro como um igual. Óbvio que não podemos alterar os desfechos menos bons ou mesmo os maus, mas podemos sempre manter a esperança até à ultima. Assim, saberemos que fizemos a nossa parte.

Ao lerem o “Gabriel 120419”, quero que sintam aconchego e esperança. Se lhes conseguir transmitir um bocadinho daquilo que senti ao escrever, já valeu a pena!»


6. E mais importante, que mensagem te trouxe a ti, o “Gabriel”?

«A nível pessoal, fez-me acreditar que os sonhos se podem tornar realidade. Que não podemos nem devemos perder a esperança. Relativamente à história, faz-me crer num futuro melhor. Onde existe igualdade, respeito, empatia e amor pelo semelhante.»


7. Na dupla face que são as redes sociais, associas o bookstagram a uma vantagem, neste teu caminho?

«Sem dúvida! Se hoje em dia alguém sabe quem sou é muito em parte graças à divulgação dos bookstagrammers e da comunidade literária. Óbvio que existe todo um trabalho árduo da minha parte por trás, que o leitor não faz a mínima ideia, nem o bookstagrammer. E acreditem que nem sempre o caminho é reto e simpático. Mas vale muito a pena, sem a comunidade não teria sorrido tanto nestes dois anos como autora. Agradeço muito a quem me lê e aposta na minha arte.»


8. Como sabemos, o Holocausto fez parte de um dos momentos mais sombrios da História da Humanidade. De onde irrompe a ideia de incluir este tema num livro? Qual é a tua relação pessoal com este assunto?

«Foi na adolescência que li “Anne Frank” e vi o filme “O Pianista”. Recordo-me ainda hoje da sensação de revolta, tristeza e injustiça que senti. As lágrimas caíam-me sem eu ter qualquer controlo e senti um nó imenso na garganta. Aquilo parecia-me tão irreal. Não pode ser possível, lembro-me de pensar. Sem dar conta, sempre que via alguém falar do Holocausto, fosse em livros, ou na televisão eu tinha de conhecer a História que contavam. Com o passar dos anos, fui adquririndo diversos livros de não-ficção e de ficção, fui vendo vários documentários, testemunhos e com eles fui tendo um conhecimeno real, vasto e profundo do que acontecera. Do que tinha sido realmente o Holocausto, e das repercussões que tinha tido na História da Humanidade e na vida de milhões de pessoas. Uma História triste e desumana.

Cabe a nós que estamos cá hoje falar sobre, e não deixarmos cair no esquecimento. Ou seja, darmos voz a quem já não a tem e honrarmos quem passou por tais atrocidades.

Quando quis contextulizar o espaço na história do meu livro, sentia que tinha de ser ali. Não fazia sentido ser noutro lugar, principalmente tendo ela algo tão meu. Eu precisava de não me sentir tão impotente. Eu precisava de dizer-lhes que não estavam esquecidos e que estavam no meu coração. Foi a maneira mais bonita - e quiçá - eterna que me ocorreu.

É um tema que me sensibiliza muito, que ainda me consegue chocar e fazer chorar imenso mesmo após já ter visto e lido tanta coisa.»


9. A criatividade e imaginação são membros cruciais na escrita de um livro. São

características naturais em ti? Ou precisas de encontrar formas de as despertar?

«Nunca me vi como uma pessoa muito criativa ou com uma imaginação muito fértil. Pelo menos, não para a escrita. Ainda é algo que estou a explorar, é uma aprendizagem constante.

Sento-me e deixo os dedos escreverem o que sinto naquele momento. Hoje em dia, essa parte da criatividade está mais desperta em mim porque escrever puxa a escrita. Inconscientemente, obrigamos o cérebro a exercitar-se e nossa imaginação fica mais apurada. Isto ainda é tudo uma aventura para mim e sei que mesmo que algum dia escreva dez livros ou mais, será sempre assim.»


10. Repetirias o desafio de publicar uma nova história, ou este “bebé” não terá mais irmãos?

«Claro que sim, inclusive, já tenho mais manuscritos em processo. Agora é trabalhar neles, publicar, divulgar e acreditar que vai tudo dar certo! Quero muito dar alguns irmãos ao “Gabriel” e constituir uma grande família através desta minha grande paixão que é a escrita.»


11. Relativamente à edição, sabemos que em Portugal este é um assunto delicado, seja pelas questões de divulgação, apoio, ou até mesmo pelo lucro. No teu caso, isto foi alguma nuance, ou nem sequer pensaste duas vezes?

«Como disse noutra resposta, a ideia de escrever um livro surgiu através do concurso da FNAC, logo nem se colocaram essas questões. Não sabia sequer se o iria publicar quando o escrevi. Só quando tomei essa decisão é que tive real noção do quão dificil é ser escritora em Portugal.

Primeiro, não se enriquece em Portugal através da escrita. Bem, pelo menos que eu tenha conhecimento. Ser escritor, neste país, é ingrato. Abdicamos de horas, dias, meses, anos a trabalhar num manuscrito que pode nunca sair da gaveta, ou que até pode sair e não ter qualquer relevância no mundo editorial e isso é frustrante.

Seres publicado por uma editora tradicional, ou uma vanity ou até por autopublicação a verdade é que nunca será justo para ti como escritor. Nunca irás ter o real retorno, equivalente à tua entrega. Isto porque as editoras cá ainda têm alguma dificuldade em divulgar o autor, em acreditar e apostar nele. Mesmo as tradicionais, e elas são as que mais portas fecham por vezes. Todas têm os seus prós e contras, nenhuma é perfeita e todas querem lucro. Nós também. Não trabalhamos para aquecer e não acreditem se vos disserem o contrário. Todos queremos ver o nosso trabalho reconhecido e para isso é preciso vender. Temos de ter em atenção que existe uma diferença entre querer lucro e ser ganancioso.

As [editoras] tradicionais: se formos um novo autor mais difícil é de apostarem em nós, pois podem não obter retorno do investimento. E acaba muito por ser o: se vão com a tua cara ou não, se tens alguma visibilidade nas redes, se já tens algum nome, e claro, se lêem ou não a tua obra. Convenhamos que praticamente nunca lêem, o que faz com que os outros pontos mencionados prevaleçam sobre a obra. E consequentemente, no teu percurso como escritor.

As vanities, por norma, publicam os manuscritos que lhes chegam, mas pecam pela pouca ou nenhuma divulgação e por vezes não há revisão. Cobram valores mais altos e deixam-te um pouco “entregue aos bichos”, cabe ao autor fazer por ser visto, divulgado e conseguir vendas.

A autopublicação, pelo que tenho conhecimento, acaba por ser muito como o autor que publica através de vanities, ou seja, tem todo o trabalho e mais algum! Assim como o que investe… acredito que seja ainda um valor mais elevado. E sem falar de fazer a capa, paginação…

Nas três opções, é um trabalho árduo e não devemos desmerecer nenhuma delas. Se conseguires publica numa tradicional, se não conseguires publica também! É mais árduo o caminho, mas vale muito a pena.»


12. Para que não repitamos catástrofes como aquelas que o bebé Gabriel presenciou, diz-nos, aos teus olhos, o que cada um de nós poderia fazer para tornar o mundo num lugar melhor para todos.

«Sermos amor. Na sua total essência.

Aceitarmos as diferenças do outro, não nos acharmos superiores e respeitarmos as diversas culturas e crenças.

Não é preciso muito, na verdade. É tão simples, tão fácil. É só sermos humanos. Por vezes, é um processo evolutivo, mas conseguimos. Não somos perfeitos e todos erramos, mas podemos tentar ser melhores todos os dias. Amanhã melhor que hoje, não só com os outros mas connosco mesmos. Como pessoas racionais que somos, podemos abraçar o próximo e aceitá-lo como ele é. Devemos ter a capacidade de ouvir e não julgar. Como disse, é um processo de aprendizgem, mas acredito que ainda vamos a tempo de viver num mundo melhor. Ou pelo menos de o deixar melhor para as próximas gerações.

Simples passos aos meus olhos para tal acontecer e que coloco em prática:

- dar bom dia;

- sorrir quando nos sorriem;

- não fazer cara feia quando vemos alguém com mau aspeto na rua;

- ajudarmos quando podemos e não virar costas só porque sim;

- não criticarmos as escolhas pessoais do outro, não interferindo com a nossa liberdade não temos por que apontar o dedo;

- e, sermos menos juízes da nossa vida e da vida dos outros. Viver e deixar viver!»


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